STF deve decidir que dados obtidos direto do Fisco podem ser usados para fins penais

Autoras:  Tânia Nigri e Adriana Alves dos Santos Cruz (*)

 

Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no bojo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859, bem como no Recurso Extraordinário 601.314 (submetido à sistemática da repercussão geral), que o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001 guarda consonância com a Constituição Federal de 1988.

A corte constitucional entendeu que não haveria, verdadeiramente, a quebra do sigilo bancário pela istração tributária, mas, tão somente, a sua transferência, o que afastaria a necessidade de autorização prévia do Poder Judiciário.

Após esse emblemático julgamento, outra importante questão vem sendo debatida, qual seja, saber se as informações obtidas mediante o direto do Fisco, para fins de constituição do crédito tributário, poderiam ser utilizadas para fins penais.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de enfrentar essa matéria, por ocasião do julgamento do Recurso em Habeas Corpus 42.332. Na ocasião, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, instada a exercer eventual juízo de retratação, em razão de aparente divergência entre o acórdão prolatado pela 6ª Turma e o entendimento consolidado pelo STF, manteve sua decisão, concluindo que a quebra do sigilo bancário para fins de investigação criminal, não prescinde da competente ordem judicial do magistrado, que deverá proferir decisão fundamentada e em observância aos artigos 5º, XII e 93, IX, da Carta Magna.

O acórdão concluiu que não cabe à Receita Federal, órgão interessado no processo istrativo tributário e sem competência constitucional específica, fornecer os dados que foram obtidos através de seu o direto às instituições bancárias, sem prévia autorização do juízo criminal, para fins penais, o que tornaria nula toda prova decorrente dessa quebra.

Tal entendimento já havia sido acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça no RHC 72.074/MG, de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, quando a corte asseverou que a Lei Complementar 105/2001  regulamenta a intimidade e vida privada relativas às informações   bancárias dos indivíduos, reafirmando ser o sigilo bancário a regra a ser seguida pelas instituições financeiras. Prossegue o acórdão itindo o intercâmbio de informações entre instituições financeiras e autoridade fiscal, para fins de constituição do crédito tributário, ressaltando, entretanto, que isso não induz que o dominus litis possa utilizá-las para deflagrar a ação penal, porquanto isso constituiria   verdadeira quebra de sigilo constitucional[1].

Em resumo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mesmo após o julgamento da constitucionalidade do artigo 6º da Lei Complementar 105/2001 pelo Supremo Tribunal Federal, consolidou-se no sentido de que a quebra do sigilo bancário para fins penais necessitaria de autorização judicial devidamente fundamentada, tornando imprestáveis as informações obtidas diretamente pela autoridade fiscal junto às instituições financeiras.

O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, tem tratado a questão de forma oposta. A despeito da ausência de manifestação do Plenário da Corte, algumas decisões monocráticas e de turma pontuam a legalidade do uso para fins penais das informações sigilosas adas pelo Fisco.

O tribunal tem considerado que a cadeia da produção da prova é legítima, portanto a representação fiscal para fins penais pode ser instruída com os elementos colhidos junto às instituições financeiras. A prova é, assim, licita para fins penais.

No RHC 121.429, de relatoria do ministro Dias Toffoli, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal rejeitou Recurso Ordinário em Habeas Corpus que visava a declaração de ilicitude da prova em ação penal proposta com base em representação fiscal para fins penais no contexto da Lei Complementar 105/2001.

Apesar de o recurso não ter sido provido por razões processuais, o acórdão consignou a inexistência de ilegalidade flagrante a amparar a concessão da ordem de ofício, ante o reconhecimento da constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001.

Decisões monocráticas no âmbito da corte também assentam tese contrária àquela fixada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça[2], parecendo-nos que a abordagem do tema pelo Superior Tribunal de Justiça careceria de enfrentamento das disposições do artigo [3] da Lei 9.430/96, que dispõe ser dever da autoridade fazendária proceder à representação fiscal para fins penais, nos termos do artigo retromencionado.

O Código Tributário Nacional, por seu turno, expressamente excepciona o dever de sigilo nessas hipóteses, a teor do que estabelece o artigo 198, parágrafo 3º, do Código Tributário Nacional. Nesse cenário, a análise do tema pelo Superior Tribunal de Justiça não fornece os limites das informações a serem readas ao Ministério Público, para fins penais, nas hipóteses em que o crédito tributário for constituído a partir de informações coletadas das instituições financeiras ao abrigo do artigo 6 º da Lei Complementar 105/2001.

O entendimento consolidado por aquela corte implica em negativa de vigência do dispositivo legal, sem que se observe a cláusula de reserva de plenário.

O tema é relevante, na medida em que a autoridade istrativa precisa ter presentes e seguros os limites de sua atuação. O Ministério Público, por sua vez, não prescinde de segurança acerca da licitude da prova que subsidiará eventual ação penal.

É premente, assim, que o Supremo Tribunal Federal se manifeste sob a questão, por sua composição plena, com vistas à segurança jurídica imprescindível ao jurisdicionado e aos agentes públicos envolvidos na persecução penal.

[1] No mesmo sentido o Agravo Regimental em Recurso Especial 1.371.042/SP, da relatoria do ministro Felix Fischer, julgamento realizado em 25/10/2016, cujo acórdão foi publicado no DJe de 23/11/2016. Nessa ocasião o tribunal decidiu ser possível a requisição de informações bancárias pela autoridade fiscal sem a necessidade de prévia autorização judicial, quando houver processo istrativo ou procedimento fiscal em curso, a teor do artigo 6º da LC 105/01, sem que isso implique a possibilidade de utilização dessas mesmas informações para fins penais, por se tratar de garantia constitucionalmente estabelecida (artigo 5º, inciso XII, da Constituição).

[2] Nesse sentido: ARE 953.058. relator ministro Gilmar Mendes; ARE 948.764. relator ministro Luís Roberto Barroso; ARE 998.818. relator ministro Ricardo Lewandowski e ARE 987.248. relator ministro Luís Roberto Barroso.

[3] “Art. 83.  A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera istrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010)”.

 

 

 

 

Autoras:  Tânia Nigri é é procuradora do Banco Central, especialista e mestre em Direito Econômico e autora do livro “O Sigilo Bancário e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.

Adriana Alves dos Santos Cruz é juíza titular da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, mestre em Direito Constitucional pela PUC-Rio e doutoranda em Direito Penal na Uerj.


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